Quarta-feira, 5 de Maio de 2004
(...)
a fé é a coisa mais íntima que alguém pode ter. para mim, é a única coisa que não é passível de se fazer anedota pública, gozo público, metáfora publicitária ou outras que tais.
mas muito mais tinha para dizer deste tema, que é o mais vasto de todos os temas pelo homem inventados. o mais inevitavelmente contestado, discutido, amado e odiado. o mais proibido. o mais actual e o mais antigo. o mais de tudo.
mas não me apetece debater isso.
mas, voltando à morte, escrevinhei umas linhas sobre uma sequência que fotografei de um musical que dizia algo como isto:
"se tivesses morrido teria doído menos"
a morte às vezes é menos dolorosa que a vida.
quando escrevi os versos, mesmo estando em plena sintonia com as imagens dos amantes a despedirem-se no leito de morte dela, escrevi-os a pensar em mim.
sou muito egoísta. escrevo de outros, fotografo os outros, mas sou sempre eu que lá estou.
chega, chega de falar de mim.
estava a reler estes nosso mails. tens razão, tinha saudades deles. li um livro que eram cartas, cartas que se escreviam. as nossas cartas são lindas. mais lindas que as cartas inventadas.
sempre achei a realidade mais bonita que a ficção. com mais trilhos e emboscadas e soluções. ou sem elas. mais entranhada em nós, mais salgada.
hoje só te conto parvoíces. mas é o que me apetece. hoje tive sonhos, já te disse? sim, eu sei que já te disse. acordei em agonia.
mas podes espalhar as tuas palavras por mim. só porque tive sonhos posso ler-te os teus, e até os teus pesadelos. e o teu acordar. se quiseres. sou distraída mas leio-te e gosto de te ler. as minhas letras atropelam-se quando te leio.
um beijo,
mar
(obrigada pelo convite de partilha neste espaço:) *
Já lá vão tantos anos que eu nem sei porque te escrevo hoje, como se pudesses receber esta carta, como se a pudesses ler
Lembras-te como éramos amigas? Tinhas mais cinco anos que eu, eras linda e espalhavas alegria à tua volta. Sempre te invejei um pouco a facilidade com que fazias amigos, o namoro com o João que te adorava, a carreira profissional que se abria à tua frente. Lembro que, no dia em que vieste falar comigo e me pediste para te acompanhar àquela morada, não te entendi. Perguntei-te porque não falavas com o João, disse-te que ele tinha o direito de saber, disse tanta coisa própria da minha inexperiência
Tu só olhaste para mim e, com uma tristeza infinita no olhar, respondeste-me que não tinhas certeza dos teus sentimentos em relação ao João, que não estavas preparada para criar uma criança como sempre tinhas sonhado e que, naquela altura da tua vida, seria o pior que podias fazer a ti própria. Não devo ter percebido completamente (tudo se baralha agora, sabes?), mas acompanhei-te àquele lugar horrível que uma amiga te tinha indicado. Explicaste-me que não tinhas dinheiro de parte e que dizer aos teus pais estava fora de questão. Então, tinha que ser ali mesmo, naquele local onde passei alguns dos piores momentos da minha vida, esperando por ti. Saímos de lá e lembro a tua face branca, sem lágrimas. Não disseste uma palavra. Só soube de ti no dia seguinte quando me telefonaste a dizer que estavas com febre. Não devia ser nada. Passou mais um dia e ,nessa madrugada, a tua mãe ligou-me a dizer que estavas internada no hospital. Corri para lá, Maria e ainda consegui falar contigo. Agarraste a minha mão e só me pediste para tentar que o João te perdoasse e te entendesse. O João chorou muito, revoltou-se, odiou-te pelo que fizeste e por teres partido. E finalmente aquietou-se, como eu.
O João perdoou-te, senão nunca teria conseguido construir uma família equilibrada e ter três filhos. Uma das meninas tem o teu nome. Mas acho que, ao contrário de mim, a quem a experiência de vida fez compreender completamente as tuas razões, ele não entendeu nem vai entender nunca. Para ele a lengalenga será sempre: Eu amava-a. Podíamos ter sido tão felizes!. Mas eu sei hoje e tu já sabias então que o amor só não chega, que há outros mundos, outros horizontes. Será que tu falhaste esses horizontes ou partiste para eles, naquela manhã? Como eu queria saber de ti, Maria
Não sei se devia dizer-lhe isto, mas adoro as suas aulas. Sinto-me preenchida quando o ouço falar da arte como se a arte fosse o ar que respiramos.
Sempre que olha para mim, tenho a sensação que já sei o que vai dizer. Terei a resposta no coração?... É possível, porque sei a matéria toda, murmuro-a quando me deito, como se de uma oração se trate e, de manhãzinha, acordo com a sua voz no pensamento.
Sabe? Sempre que aprendo mais coisas sobre arte tenho a sensação de que sou mais e mais infeliz. Serão todos os artistas destinados à infelicidade? À tristeza? À agonia desse mundo, unicamente renovado por imortais?...
Eu só quero ser feliz. Feliz mesmo, ainda que um pouco ignorante e menos artista. Quero ter os olhos transparentes, o sorriso luminoso e a voz límpida.
Se estudar e ser artista significa ter os seus olhos tristes e cinzentos, o seu sorriso chuvoso e a sua voz ausente... não, não quero.
Mas eu amo tu isso....
E amaria aprender de si a combinação de luzes, cores e emoções. Todas!
Traga uma paleta e ensine-me a pintar a vida, com todas essas misturas de sentimentos.
E essa tela será só nossa. Só nossa... Terá as cores que quisermos e a profundidade que desejarmos. Até onde for a vida, nós iremos.
Iremos para além de nós, para além de tudo o que existe, transbordando em cores sobre a Terra...
Aluna Anónima
Terça-feira, 4 de Maio de 2004
Minha querida Amiga:
Inspirada pela provocação do nosso amigo comum, imbuída do espírito rebelde que partilho com as minhas camaradas de género, não resisti à provocação óbvia. Atirei para o ar e para cima da mesa da tertúlia E o que é que os homens sabem fazer melhor do que as mulheres? Não sei se me levaste a sério, a avaliar pela tua resposta à séria, mas minha Amiga, era a brincar. Apesar de feminista convicta e confessa, leituras em dia e conversas aprendidas em caminhos de partilhas femininas, eu sei que há coisas que os homens fazem melhor do que nós.
A primeira é o facto de nascerem pequeninos, poderem ser nossos filhos e aprenderem as cores do mundo através do nosso olhar. Depois, mesmo sem saberem ler, nem perceberem nada de psicanálise, apaixonam-se por nós absurdamente, tornando-se cavaleiros de espada de plástico em punho, lindos, sentados no alto do cavalinho Chicco. Já quererem matar o pai, não é prorrogativa deles. Qualquer criança fêmea ou macho pode dar cabo de uma forte masculinidade, com duas semanas de noites mal dormidas
A outra coisa é a agradável surpresa de poderem ser nossos pais e habitarem em nós para o resto das nossas vidas envoltos em magia e ternura. Alguns homens pais, guardam ainda as nossas memórias e perfumam-nas com o aroma a tabaco suave de cachimbo.
E há mais homens, felizmente. São todos diferentes mas têm algumas características comuns. Uma das coisas que fazem melhor que nós, é falarem com voz grossa, muito mais sensual e melodiosa que as vozes femininas. É poderem usar bigode e barba ou não, e raparem o cabelo e ficarem lindos. É não usarem sapatos de salto agulha e nunca ficarem presos nas pedras da calçada. É só precisarem de comprar uma peça de lingerie de cada vez, e que necessariamente não tem de combinar com a roupa porque não usam transparências. É pedirem que lhes compremos roupa, a trabalheira que nos dá irmos ás compras
.É saberem todos os nomes dos dirigentes de futebol, e terem a infinita paciência de nos ensinar isso de cada vez que a Judiciária intervém. É saberem cozinhar pratos complicados para nós, se bem que seja só em dias de festa, e deixarem a cozinha num caos, mas festas assim dá gosto! É fazerem festas nos dias não festivos. É responderem, com olhos doces, depois de uma noitada de despedida de solteiro à pergunta, - Então que tal a festa? - Nada de especial, tinha celulite!
A nossa vida seria um tédio sem eles.
Um beijo
align=justify>Hoje não vou aqui deixar nenhuma carta, mas vou falar sobre elas.
Nestes dias em que andei a ler algumas cartas que escrevi no passado, reparei que tenho uma vontade especial de as escrever quando estou triste ou zangada (basta ver o exemplo de ontem). E, se o mal é de amor, escrevo ao "causador" de tal dor!
Isto significa que encontrei por aí várias cartas muito tristes. O mais engraçado é que, de cada vez, achei que era o pior momento, o momento mais sofrido...
Ontem li uma e pensei que devia ser a carta mais triste que eu alguma vez escrevi. Ainda me lembro bem dos meus sentimentos nessa altura. Mas depois pensei em tantas outras que fui escrevendo ao longo da vida, algumas ainda adolescente, mas tão sofridas também!
Será que o último amor é sempre o maior, será aquele a que nos agarramos mais?
Ou será apenas aquele de que nos lembramos melhor?
Segunda-feira, 3 de Maio de 2004
Nasci mulher nos anos 60... nascera eu na China ou em países árabes e o meu destino seria tão diferente. Tive a sorte de nascer no mundo civilizado. Não fui rejeitada à nascença, nem vendida, nem mutilada em criança. Cresci igual aos homens...
Se é que os meus homens sabem o que é o sangue que sai de nós e nos assusta e nos faz sentir sujas, se é que os homens sabem o que é a dor intensa no primeiro amor físico e tão desejado, se é que os homens sabem o que é sentir borboletas dentro da nossa barriga quando eles próprios crescem pequeninos cá dentro, se é que os homens sabem o que é parir com dor (anátema bíblico...... resignemo-nos, penitentes...), se é que os homens sabem o que é a doçura dos olhos de uma criança que nos ama como deusas...
Depois.. foi a revelação. Tenho 20 anos... (porra de adolescência que nunca mais acabava...) Sou a dona do mundo. Tenho tudo....... o feminismo em pleno, mulheres que escrevem, que pensam, que vão agitar o mundo, que o vão conduzir de forma inteligente e amorosa. Sou livre, tenho uma carreira pela frente, tenho o meu destino nas mãos, tenho as minhas vontades, tenho, tenho, tenho...
Depois... quisemos tudo o que nos prometeram... e o que as nossas inteligências e almas e corpos desejavam. Fomos executivas competentes, mães atentas, mulheres sensuais, esposas perfeitas...
Temos tudo. Mas um dia olhamos para o espelho... olhamos para dentro de nós... e somos infelizes... como foi possível? Onde falhámos? Onde esquecemos a lista das necessidades? Onde deixámos a agenda tão organizada? Onde estamos nós?
Tenho dois homens. Nascidos de mim... Quero ensinar-lhes a serem seres humanos plenos, mas gostaria tanto de lhes ensinar a amar a outra parte deles... a parte que os homens amam e não querem perceber que têm.
Todos os homem queriam ser uma mulher... (apenas um dia... ) nesse dia, seríamos tu e eu, irmãos, amigos, namorados, amantes, cúmplices, parceiros de dor e alegria)
Todas as mulheres querem amar um homem...assim... e ser amadas.. assim. (mais que um dia... na eternidade da vida onde sabemos existir)
- do fundo do baú, num dia em que estava muito zangada....-
Andei a vasculhar algumas cartas que em tempos escrevi. Como disse no meu blog, guardo muitas dessas cartas, talvez para um dia mais tarde reflectir.
Muitas dessas cartas são demasiado intímas para as colocar aqui, não o farei. Mas descobri uma que achei interessante: uma carta que escrevi há dois anos, a alguém por quem eu estava perdidamente apaixonada. É uma daquelas cartas em que o ódio se mistura com o amor...
boa tarde
vou desistir de te dizer que sou tua amiga
porque tu nunca o vais entender
porque tu nao deves saber o que são amigos
tenho pena
hoje apeteceu-me bater-te
odiei-te
e odeio conhecer-te tão bem
odeio preocupar-me contigo
porque tu não mereces
fica bem
um dia vais dar-me razão
xau
(20 de Maio de 2002)
Domingo, 2 de Maio de 2004
Há muitos tipos de amor: o amor de mãe, o amor de irmãos, o amor da amizade. Mas nós vamos falar do amor erótico, da paixão amorosa, do amor dos amantes, do amor dos esposos, do amor de casal: o amor que nos faz dizer «amo-te».
Francesco Alberoni, Amo-te
Alberoni não pensou provavelmente nas paixões tão modernas... as que surgem com a comunicação virtual. Muito se tem escrito sobre amor, nestas páginas coloridas que diariamente visitamos. Amores fugazes, amores virtuais, amores feitos de sonhos, de ideias, de fantasias que se desejam reais.
Ama-se on-line? Ama-se quem se conhece apenas pela sedução criada por palavras tecladas num momento, num minuto? Amam-se apenas as palvras, para lá de quem as escreve?
Desejamos seduzir, desejamos ser seduzidos. Já não importa o visual, neste mundo feito de imagens de gente linda e desejável. Desejamos as almas que nos seduzem... pela sua luz, pelo seu brilho, pelo seu poder de nos tocar. Desejo incorpóreo, tornamo-nos apenas cérebros, dedos, imaginação e poder de manipular quem se seduz pelas palavras.
Voltamos a séculos passados, então... o poder da escrita. O poder da sedução. Como em Laclos, Ligações Perigosas. (onde a escrita era apenas um pretexto...)
Quem ama.. quem ama a sedução dos sentidos. Quem procura the bliss, e quem encontra o inferno.
Estamos ligados por um ténue fio de telefone. Basta uma quebra de energia, e seremos apenas uma vela apagada.
Basta uma palavra maldosa, basta uma ausência, basta uma desatenção. Basta um mail vazio de mensagens. Basta um dia de silêncio. Num mundo onde o silêncio impera.
Não há vozes nesta comunidade. Não há música.
Apenas as almas que se oferecem.
Por tudo isso guardamos as cartas que enviámos e que recebemos. Vou procurá-las, floreca e partilhá-las convosco, ou então reinventá-las. Obrigada pelo convite
Todos nós temos cartas que nunca escrevemos, cartas que nunca enviámos, cartas que nunca deitámos fora... este blogue vai servir para aqui colocarmos algumas dessas cartas.
Cartas de amor, cartas a amigos, cartas a familiares... todo o tipo de cartas que acharmos pertinentes, aqui virão parar.
O blogue foi criado por mim, mas não vou ser a única a habitá-lo. É um blogue partilhado com outras pessoas que também gostam de escrever.
Espero que gostem, tanto de escrever como de ler estas cartas:-)
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